Nas eras de antanho as mães e as avós embalavam os seus enternecidos rebentos ao som de cantilenas, cujo rasto se perde no tempo, passadas de geração em geração, muitas delas até aos dias de hoje, embora disso já não dependa o salvatério da família.
O tema é vasto, mas dado a quadra presente, de cariz singular, arrecado aqui meia dúzia de cantilenas laudatórias em honra ao Deus Menino a par de algumas cantigas de embalar, as quais bastas vezes se confundem, pelo menos na boca materna, para capacitar o crianço da inutilidade da resistência em dormir.
A primeira, intitulada Beijai o Menino, era entoada numa vastíssima região do Norte do País, com particular incidência no Minho e em Trás-os-Montes, e da qual se conhecem algumas variantes, conforme roça a asa glacial do frio.
Beijai o Menino
Beijai o Menino,
Beijai-o agora;
Beijai o Menino
De Nossa Senhora.
Ó vinde pastores
Vinde a Belém,
A ver o Menino
Que a Senhora tem.
Mas ai que portento,
Mas ai que alegria!
Nasceu o menino
Da Virgem Maria.
Ó vinde pastores
Vinde a Belém,
A ver o Menino
Que a Senhora tem.
Filhos de homens ricos
Em berço doirado,
Só vós, meu Menino,
Em palhinhas deitado.
Ó vinde pastores
Vinde a Belém,
A ver o Menino
Que a Senhora tem.
Em palhinhas deitado,
Em palhas aquecido,
Filho duma rosa
Dum cravo nascido.
Ó vinde pastores
Vinde a Belém,
A ver o Menino
Que a Senhora tem.
Estava Maria
À beira do rio,
Lavando os paninhos
Do seu bento filho.
Ó vinde pastores
Vinde a Belém,
A ver o Menino
Que a Senhora tem.
Maria lavava
José estendia,
Chorava o Menino
Com frio que tinha.
Ó vinde pastores
Vinde a Belém,
A ver o Menino
Que a Senhora tem.
Calai meu Menino,
Calai meu amor!
As vossas verdades
Me matam com dor.
Ó vinde pastores
Vinde a Belém,
A ver o Menino
Que a Senhora tem.
Beijai o Menino
Beijai-o no pé,
Beijai o Menino
Que é de S. José.
Ó vinde pastores
Vinde a Belém,
A ver o Menino
Que a Senhora tem.
Da terceira quadra existe esta versão:
Os filhos dos reis
Em berço doirado,
Só vós, meu Menino
Em palhas deitado!
Da quinta quadra conheço esta variante:
Estava Maria
À borda do rio,
Lavando os paninhos
Do seu bento filhinho.
A sétima quadra apresenta esta cambiante, conforme a latitude geográfica:
Calai-vos Menino,
Calai-vos Senhor!
Que vossas bagadas
Me cortam com dor.
A seguinte canção de berço, de gosto poético popular e tonalidade mais prosaica, ouvia-se também em todo o Norte, e fazia concorrência de topo à chucha de estopa reforçada de uma colher de açúcar, a reparar o sono.
Ó meu Menino Jesus
Ó meu Menino Jesus,
Que é da vossa cabeleira?
– Ficou-me lá no convento
Ao colo de uma freira.
Ó meu Menino Jesus,
Que é da vossa camisinha?
– Ficou-me lá no monte
Debaixo duma lapinha.
Ó meu Menino Jesus,
Que é do vosso calçãozinho?
– Está em casa do alfaiate
Pra pregar o botãozinho.
À falta de melhor, segue uma série de versos soltos com a mesma temática, em toadilha de encantar o Inverno, no pressuroso gesto de embalar, enquanto o cachopo a choutar na chupeta, a boca aberta na escâncara do riso.
Maria embala o Menino,
Com a mão e não com o pé;
Este Menino qu’embalas
É Jesus de Nazaré.
São José é carpinteiro,
Fez um bercinho doirado,
Para deitar o Menino
Debaixo do cortinado.
Ó meu amado Menino
Boquinha de marmelada,
Dai-me um bocadinho dela
Que minha mãe não tem nada.
Ó meu Menino Jesus
Meu lindo amor-perfeito,
Se tende frio, vinde cá
Chorai aqui no meu peito.
Ó meu amado Menino
Descalcinho pelo chão,
Metei os vossos pezinhos
Dentro do meu coração.
Eu hei-de dar ao Menino
Para a noite de Natal,
Camisinha de cambraia,
Botõezinhos de cristal.
Eu hei-de dar ao Menino
Uma fita p’ró chapéu,
Também ele me há-de dar
Um cantinho lá no Céu.