MESTRE BRÁS BARBOSA: ESCULTOR E ARTISTA DA TALHA
A memória humana, obviamente, não alcança factos, feitos e personagens de outras eras, soterrados na poeira do tempo, pese embora a tenaz e desigual batalha contra o imerecido esquecimento, enquanto a vidinha prossegue a fiar na roca e a rezar o terço sem sobressaltos.
Brás Barbosa nasceu no lugar de Fundevila, em Padornelo, freguesia do concelho de Paredes de Coura, a 3 de Fevereiro de 1666, filho de Francisco Mendes e de Ana Barbosa. Recebeu o sacramento do baptismo na pia da Igreja Matriz de Santa Marinha de Padornelo ao colo dos padrinhos Manuel Pereira, de Cimo de Vila, e do padre Manuel Ribeiro, administrado a 7 de Fevereiro de 1666 pelo reverendo abade Gaspar Barbosa, fez agora 345 anos.
Não faça espécie, nem tão-pouco dúvida, terem paraninfado dois padrinhos, coisa usual na época. Um deles, o padre Manuel Ribeiro, foi cura coadjutor da igreja matriz de São Mamede de Ferreira em Junho de 1674 e cura coadjutor da igreja matriz de São Pedro de Formariz, logo em Agosto de 1675. Por via materna, o neófito era neto de Francisco Barreiros, “o Coruchéu”, de Padornelo, e de D. Ana Barbosa Mendes, natural de Ferreira, em cujas veias corria ainda meia dúzia de gotas de sangue fidalgo da Casa do Paço, da dita freguesia de Ferreira.
Desde cedo revelou talento e vocação para a arte, dotado de excelentes capacidades artísticas e profissionais. Activo e trabalhador incansável, tornou-se conhecido pela maneira elegante como esculpia e dava vida aos santos, com temperamento de poeta vibrátil e sensibilidade apurada, prendado de verdadeira inspiração de artista, pondo a Arte ao serviço da sociedade.
Ei-lo imaginário de grande impacto, debruçado na banca do artífice, capaz de operar milagres num canhoto de madeira, a insuflar vida aos santos, a tornear a talha para esta e aquela capela, dentro daquele estilo artístico inconfundível, tão cheio de emoções e sensações fortes, a conceber o belo, com panejamentos voláteis, concheados, colunas retorcidas, cinzelado através do engenho e da arte, na procura sublime da perfeição e da beleza. Tudo isto no intervalo duma açordinha de alho, a fim de acalmar a lazeira.
De certa certeza, à luz dos documentos, não enfadará saber que Brás Barbosa labutou no restauro da Capela de Nossa Senhora do Amparo, na Capela do Divino Espírito Santo e no Santuário de Nossa Senhora da Peneda. Mas não repugna imaginar que tenha colaborado intensamente nos vaivéns do monumental Barroco do Alto Minho, aqui e ali como «mestre escultor hi intalhador».
Corria o ano de 1710 quando foi contratado pelos oficiais da Casa da Capela de Nossa Senhora do Amparo, no Sobreiro, lugar da freguesia de Padornelo, por escritura pela qual «estava ajustado e rematado do madeirar e fazer toda a obra de carpintaria de talha».
Entretanto, a obra prosseguia em doce ramerrão e, por dares e tomares, ameaçava tomar a senda de Santa Engrácia. O reverendo licenciado Custódio Ferreira Velho, cioso comissário do Santo Ofício, abade de S. Julião do Calendário de Vermoim, arcediago de Vila Nova de Cerveira, cónego prebendado da Colegiada de Santo Estêvão de Valença, douto visitador da arquidiocese de Braga e instrumento da ira divina, rompeu em doestos de sobrolho carregado e látego riste, a verberar a relaxidão. Intima o nosso mestre a abreviar a conclusão da mesma, conforme solene aviso num despacho de 21 de Junho de 1713:
«Fui informado que Brás Barbosa escultor desta freguesia tem tomado a maior de dois anos as obras da capela de Nossa Senhora do Amparo sem lhe dar fim na forma do contrato com que as aceitou pelo que mando que o Reverendo Pároco lhe diga que as acabe em termo de dois meses para o que procederá contra ele na forma da Lei».
Remédio santo para tanta delonga, fica pronta em menos de um ai e com a mestria e qualidade visível a quem visita a acolhedora capela, um esmero, a receber também a pincelada final pela exímia mão do mestre Manuel Vaz Alves, pintor de Arte Sacra, natural de Covas, lugar da freguesia de Padornelo.
Em 1731 concluiu a tribuna da Capela do Divino Espírito Santo de Paredes, na vila e freguesia de Paredes, do então concelho de Coura, que viria depois arreceber a última demão de pintura pelo mestre Domingos Soares, da vila de Monção, para «dourar a trebuna que de novo estava feita».
No entrementes, durante longos tempos mourejou gotas estilísticas nas intermináveis obras do Santuário da Peneda, no concelho de Arcos de Valdevez, transfigurado na árdua labuta pela côdea, pleno de criação artística para satisfação dos sentidos, a trabalhar a talha e a esculpir os santinhos dos altares, para ajudar o homem na sua caminhada peregrina e a expandir a notável Arte Barroca do Alto Minho.
Aliás, o século XVIII foi portentoso ao produzir notáveis mestres entalhadores courenses, uma plêiade de artífices de apurada aptidão e valia, veros zângãos do mel à volta da arte, cujos nomes recordo de supetão: Brás Barbosa e João Bento Barbosa de Brito, de Padornelo; António José Barbosa, António Rodrigues da Cunha e António José de Barros, de Linhares; Manuel Soares, de Formariz; José da Cunha Bacelar, de Ferreira.
Selou os laços matrimoniais com D. Grimaneza Soares de Brito, natural do lugar de Alvite, freguesia de Padornelo, filha de Domingos Soares de Brito, da freguesia de Formariz, e de Ana Barreiro de Araújo, da freguesia de Insalde, com quem subiu ao altar no dia 27 de Agosto de 1693.
Pelo alfobre deste casamento foi pai duma prole basta como a urze do monte. Porém, para bem da alma dos meus dois leitores que não estejam mordidos pela brotoeja da genealogia, instigo a passarem ao parágrafo seguinte, porquanto agora descrevo a geração dos filhos, prendados e a estalar virtudes.
1 – António Soares Barbosa, nasceu a 2 de Julho de 1694 e faleceu a 1 de Janeiro de 1708.
2 – Francisco Barbosa Soares, nasceu em Fundevila e foi baptizado a 10 de Agosto de 1696; morador e casado em Lamarigo com Angélica Barreiro.
3 – Dr. Manuel Barbosa de Brito, nasceu a 20 de Novembro de 1697 e faleceu no lugar de Covas, Padornelo, a 31 de Julho de 1766. Foi bacharel formado em Leis pela Universidade de Coimbra, advogado nos auditórios do Julgado de Coura e 4.º Senhor da “Casa e Quinta de Covas”, na freguesia de Padornelo.
4 – Salvador Barbosa Soares, nasceu no lugar de Redolho e foi baptizado a 12 de Dezembro de 1700; casado e morador na freguesia de Aboim das Choças, concelho de Arcos de Valdevez.
5 – José Barbosa Mendes, “o Tonto”, nasceu a 18 de Novembro de 1702 e faleceu a 13 de Agosto de 1757.
6 – Paulo Belchior Barbosa, nasceu a 18 de Fevereiro de 1704.
7 – D. Paula Maria Barbosa Soares, nasceu a 29 de Junho de 1706 e faleceu a 20 de Novembro de 1770.
8 – Paulo Barbosa de Brito, nasceu a 6 de Agosto de 1707 e faleceu a 22 de Julho de 1781; morador no lugar do Curro, casado em primeiras núpcias com Teodósia Alves Antunes e pela segunda vez com Maria Ferreira.
9 – D. Jacinta Antónia das Neves Soares Barbosa, nasceu no lugar do Redolho a 25 de Maio de 1709; casada com António Barbosa, de Cossourado.
10 – D. Mariana Esperança Barbosa de Brito, nasceu no lugar do Redolho a 21 de Novembro de 1712 e faleceu a 30 de Dezembro de 1784; casada com Bento de Sousa Caldas, da freguesia de Mazedo, termo de Monção.
Por fim, consumada a sua missão terrena e quando ia entrar na áspera invernia da velhice, a 11 de Outubro de 1733 foi chamado a prestar contas ao Pai do Céu. Três dias antes de entregar a alma dita o testamento, a meter a mão na consciência, pois sim, pois sim, deixa um saquitel de esmolas e por herdeiro o filho licenciado Manuel Barbosa de Brito. Tinha 67 anos de idade.
Brás Barbosa, meu oitavo avô, picado do génio, foi homem de prestígio na comunidade artística alto-minhota de então, um dos bons artistas do género da escultura de Arte Sacra e nome insigne da talha de estilo Barroco, digno de figurar na História da nossa freguesia.