A Grande Guerra foi um conflito mundial que afectou a Humanidade em escala nunca vista, uma hecatombe universal com consequências nefandas de pavorosa tragédia e, logicamente, Paredes de Coura e Padornelo não podiam ficar inumes à imensa correnteza de sofrimento e sangue, gerando aqui ondas de choque.
Amadeu José de Lima nasceu para o mundo no Sobreiro, lugar da freguesia de Padornelo, a 29 de Abril de 1891, uma quarta-feira, faz agora 120 anos, como quarto filho na ordem de nascimento de José Maria de Lima, alfaiate e lavrador, e de Severina Maria Barbosa; pela via paterna era neto de Manuel António de Lima, de Padornelo, e de Ana Maria Barbosa da Rocha, de Cristelo; neto materno de Manuel José Barbosa de Brito e de Clara Rosa Barbosa, ambos de Padornelo, todos do concelho de Paredes de Coura.
Destinado à vida pachorrenta e laboriosa das almas simples, ramerrão na lavoura, intérprete fiel do destino dos seus antepassados, foi convocado pela ilusão torva dos conciliábulos dos estadistas que atiraram Portugal para o colo dum conflito hediondo de mortalha, fome e morte de proporções bíblicas e sísmicas, o mundo era uma caserna.
Incorporado em 1916 como soldado recruta do Regimento de Artilharia n.º 5, fez a preparação militar na Divisão de Instrução, três meses de treinos forçados e marchas de mata-cavalos no pomposamente chamado Milagre de Tancos, os bofes de fora nos exercícios ininterruptos. O ministro da Guerra, major José Norton de Matos, criara ali uma escola prática de soldados e oficiais, onde milhares de homens receberam preparação apressada para as trincheiras da Flandres.
Embarca em Lisboa a 20 de Agosto de 1917, num comboio marítimo com destino à fornalha de França, incorporado nas fileiras do Corpo Expedicionário Português, encomendado tão-somente à custódia do santo anjo da guarda, as pernas a tremerem de fragilidade humana.
Nos campos de batalha, foi colocado a 1 de Outubro de 1917 na 2.ª Bateria de Artilharia de Montanha do CEP e faz o baptismo de combate, uma explosão de fogo, num duelo de artilharia com as forças alemãs, logo a 1 de Novembro, um canhoneio incansável sobre as linhas das trincheiras.
Lutou com denodo na primeira linha da frente da guerra, soterrado em lamaçais até ao joelho, um merecimento assinalável, «tendo tomado parte em todos as acções que se deram» de 1 de Novembro de 1917 a 9 de Abril de 1918 contra as hordas inimigas, conforme documenta a sua ficha individual[1].
Na sangrenta Batalha de La Lys, travada a 9 de Abril de 1918, Amadeu de Lima obrou actos inauditos de máscula bravura lusitana, enquanto se esboroava o reduto português perante o árduo bombardeamento e investida germânica, por entre uma nuvem de gases, metralha e baioneta que levavam tudo raso. Resistiu tenazmente como pôde, a metralhadora em brasa, enquanto à sua volta jaziam mortos às centenas e escreviam-se inúmeras histórias individuais de tenacidade.
No rescaldo da reorganização dos sobejos das forças militares portuguesas, foi colocado no Destacamento de Artilharia de Montanha a 1 de Outubro de 1918, e ala, a combater no sector de Richebourg de Lavane entre Outubro e Novembro de 1918[2], durante a ofensiva final dos Aliados contra as Linhas de Hindemburgo.
Aproximava-se a passos largos o fim da guerra e do morticínio, quando foi ferido e gravemente gaseado em princípios de Novembro, andava de lua com o destino por caminhos ignorados de Cristo. Recolhe ao Hospital Militar n.º 8, em França, a arder em febre, o pulmão retraçado, arfa de agonia como peixe fora de aquário, num atroz sofrimento, a garra adunca da morte à cabeceira.
Partiu ao encontro do Pai do Céu no dia 7 de Novembro de 1918[3], quinta-feira nas páginas amargas do calendário, vitimado por uma «bronco-pneumonia» causada por gases. Não chegou a assistir ao formal pedido de tréguas e ao armistício de 11 de Novembro de 1918, que pôs termo à funesta I Guerra Mundial. Porquê morrer assim, às portas da Paz? Uma pergunta que embatuca a retórica de qualquer sábio.
O seu corpo, como milhares de outros portugueses, nunca regressou ao aconchego do solo pátrio para ser enterrado neste altar admirável da Natureza, na paleta de cores que é o Minho. Foi sepultado inicialmente na fria cova n.º 2 do cemitério civil de Tillers e, posteriormente, transferidas as ossadas para o Cemitério Militar Português de Richebourg L’Avoué, em França, onde jaz no talhão C, fila 8, coval n.º 7.
Por cá ficaram os velhinhos pais José Maria de Lima e Severina Maria Barbosa, os irmãos Amélia de Lima, António José de Lima, Rosa de Lima e Manuel José de Lima, a viúva Olívia das Dores e o cunhado Dionísio Lourenço, olhos trémulos a soluçar lágrimas tamanhas como punhos, atritos e gemebundos de dor, ai que desgracia, enquanto a eufórica turba aclamava mundo fora o fim da Guerra.
[1] AHM, Fichas Individuais do CEP, Amadeu José de Lima, praça n.º 28636.
[2] AHM, Relação do Destacamento de Artilharia, Ordem de 28 de Outubro de 1918.
[3] AHM, S.E.E.C., 1.ª Divisão, Registo dos Militares Falecidos no CEP à França por Concelhos, cota Div/1/35/1270-B, fl. 51.