A vida decorria pachorrenta e serena nesta porção do paraíso terreno no qual reinava a soberana Dona Maria II, quando em Março de 1837 nasceu uma criança que recebeu as águas lustrais do baptismo na pia da Igreja Matriz de Santa Marinha de Padornelo e o nome de Francisco António Monteiro, por ser filho de Manuel José Monteiro, naturalde S. Julião do Calendário da Silva, freguesia do termo de Barcelos, e de D. Sebastiana Maria Mendes de Araújo, natural de Padornelo; era neto pela via paterna de José António Monteiro e de D. Joaquina Luísa da Silva Martins Monteiro, da freguesia de S. Julião do Calendário da Silva; neto materno de José António de Araújo e de D. Francisca Maria Rodrigues Mendes, proprietários, naturais e moradores em Padornelo.
Nascido no seio duma família de posses razoáveis, para os padrões da época, a sua condição de filho segundo ditou-lhe o destino, porquanto o irmão primogénito estava destinado a herdar a quinta e Casa das Portelas, situada onde hoje é o lugar das Angústias. Como se costumava dizer então, de seus pais herdou a virtude do trabalho e a nobreza do carácter.
A 8 de Julho de 1851 requereu passaporte ao Governo Civil do Distrito de Viana do Castelo e nesse mesmo ano, ala que se faz tarde, embarcou naquela leva do fenómeno emigratório que converge para o Império do Brasil, um lastro humano sem fim na centúria oitocentista. A passagem, com embarque na barra do Douro a bordo de um veleiro, custou a módica quantia de 35$000 réis, para uma viagem de 40 dias.
Seria ele a enviar cartas de chamada para o seu irmão José Narciso Monteiro embarcar com destino ao Brasil em 1854, e mais tarde, no início da década de 1890, os sobrinhos José Francisco Monteiro, Manuel José Monteiro e Vital Narciso Monteiro e o parente António José Lopes Alves Guimarães, uns agora, logo outros, modesto reagrupamento familiar.
No Brasil, ora come o pão que o diabo amassou, ou abana a árvore das patacas, numa altura em que não jorrava ouro para todos. Desaguou na actividade comercial, onde ocupa um lugar cada vez mais importante na área do comércio, fruto do seu intenso labor, pois era laborioso por natureza e fortaleza de ânimo, no fogo sagrado do dever e no amor acrisolado ao trabalho. Assim, abriu caminho de flores por entre espinhos.
Negociante estabelecido, acumula riqueza, capitais e proventos, tornando-se abastado proprietário e accionista de várias empresas, ascende ao patamar de cidadão conceituado na pátria adoptiva. Administrador recto e honrado cidadão, alteia-se por elevados méritos ao cargo de director do Banco Colonizador e Agrícola do Brasil, em cujos cadeirões se sentava também o egrégio comendador António José Gomes Brandão, natural da freguesia courense de Rubiães, seu amigo íntimo.
Pelos relevantes serviços de benemerência, sacrificando por vezes os interesses particulares, foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, por mercê d’El-Rei Dom Luís, datada de 8 de Janeiro de 1874. No ano seguinte foi condecorado com a Medalha de Honra da Caixa de Socorros Dom Pedro V.
Uma característica desta boa gente é a tendência para a filantropia, apóstolo incansável da Humanidade. Foi abnegado protector das instituições pias e filantrópicas, em lances de altruísmo e encarecido empenho, com ares de doce criatura. Verteu luz da mais admirável caridade para minorar o mísero sofrimento das pessoas e a carência atroz das tolhidas instituições, estado pouco lisonjeiro em que muitas se encontravam então.
Em 1895, corresponde ao apelo do padre dr. Júlio César Gomes Barbosa e contribui largamente para a edificação do Asilo de Nossa Senhora da Conceição para a Infância Desvalida de Paredes de Coura, inaugurado a 1 de Janeiro de 1896.
Vai fazendo doações vultuosas a diversos organismos de ambos lados do Atlântico. Em Setembro de 1898, acode às obras de recuperação da Igreja Matriz de São Paio de Mozelos com um importante donativo de 50$000 réis. Socorre com a sua bolsa à Real Confraria do Senhor Ecce Homo, de Padornelo, por ditame do seu bom coração humano.
Mas a Santa Casa da Misericórdia de Paredes de Coura seria, indiscutivelmente, a menina bonita dos seus olhos, de quem foi sempre incansável procurador piedoso em terras de Vera Cruz, desvelado protector durante mais de uma década. Seria nomeado procurador e delegado permanente da Santa Casa no Brasil por decisão do provedor conselheiro Miguel Dantas Gonçalves Pereira, de 4 de Julho de 1898.
Com gerais aplausos, fervoroso reconhecimento e preito de justiça, a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Paredes de Coura proclama-o «irmão benemérito», conforme ficou exarado em acta de 9 de Julho de 1906, à luz da razão límpida:
«Tendo pleno conhecimento dos importantes serviços prestados à mesma pelo nosso conterrâneo o Ex.mo Sr. Comendador Francisco António Monteiro, morador na Rua da Candelária, n.º 11, da cidade do Rio de Janeiro, e ainda pelo mais que espera receber dele, pois a sua caridade se afirma todos os dias, propunha que o mesmo fosse inscripto como respectivo IRMÃO BENEMÉRITO, passando-lhe o respectivo diploma para lhe ser enviado e que na Sala dos Retratos dos Irmãos Beneméritos se colocasse o seu, enviando-se-lhe cópia desta acta. E sendo esta proposta aprovada por unanimidade, foi encerrada a sessão».
Assinaram a acta o provedor Adriano Bento Lopes e os irmãos Joaquim José Ribeiro, Bartolomeu Kopke Severim de Sousa Lobo, Francisco José Marinho, prof. António José Lages, Júlio dos Reis de Lemos, Joaquim António Lima, Quintino Tomás Mendes, José Avelino Pedreira Bacelar, Manuel Cândido Gonçalves Pereira, padre dr. Narciso Alves da Cunha, abade Casimiro Rodrigues de Sá, Justino José Rodrigues Loureiro, José Luís Mendes, Tomás Joaquim Alves, prof. Hilário José Rodrigues Barbosa, Justino José da Cunha Ribas, João António Pereira Loureiro, abade José Bento Ribeiro, Narciso José Neves e José do Espírito Santo da Cunha, os mais ilustres concidadãos da altura.
Os últimos anos da sua vida foram atingidos pelo supremo vinco de dor. Num momento tresloucado suicidou-se o filho único, um suplício oculto, levando a alma de pai ao desespero, rompia a labareda das lágrimas nos olhos do velho, a saudinha a mirrar. Deixa a vasta fortuna a várias instituições pias e a uns afilhados mulatos brasileiros, passa mansamente os umbrais da eternidade e solta a amarra do último fio que o prendia à vida terrena, o fantasma do filho a gemer à cabeceira.
A Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de Paredes de Coura, reunida em sessão da direcção a 15 de Junho de 1910, aprova e exara um profundo voto de pesar pelo seu falecimento ocorrido na cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, na República Federativa do Brasil.
O seu currículo social é imenso, basta atentar nesta impressionante listagem, longa como o dilúvio universal: sócio benemérito da Sociedade União Beneficente Comercial e Artes do Rio de Janeiro, sócio de mérito do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, benemérito do Hospital da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, irmão benemérito da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelaria do Rio de Janeiro, benemérito da Real Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros Dom Pedro V, Comendador da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, condecorado com a Medalha de Honra da Caixa de Socorros Dom Pedro V, irmão benemérito da Santa Casa da Misericórdia de Paredes de Coura e benemérito do Quadro de Honra da Real Confraria do Senhor Ecce Homo de Padornelo. Ficamos inteirados.
Onde deviam soar hinos de louvor e preces de gratidão pelo seu merecimento e excelsa virtude, ressoa tão-somente o eco do canhestro esquecimento por parte daqueles que lhe deviam honrar a memória ditosa. A efígie de Francisco António Monteiro desapareceu da Sala dos Retratos dos Irmãos Beneméritos da Santa Casa da Misericórdia e o seu nome foi arrancado por mãos ímpias e ingratas da parede da Capela do Senhor Ecce Homo. Negregada injustiça e enfatuada ignorância! Ignorantia neminem excusat!